segunda-feira, 21 de março de 2016

Quem me dera

Quem me dera
Deixar a vida passar
Através do meu corpo
Sem peso.
Não me ajoelhar
Para olhar nos olhos
A criança que sou
Escondida embaixo
Do tapete imundo,
Atrás do sofá barato,
Da cortina de tecido ruim.
Quem me dera
Ouvir meu nome e não
Sentir vergonha.

Quem me dera
Deixar quietos, dormindo
Meus erros e falhas
Não empilhá-los
Sobre minhas costas
E não tentar
Subir montanhas inalcançáveis.
Nem tentar,
Por saber
Que qualquer um conseguiria
Menos eu.

Quem me dera
Não saber disso.

Reis, todos eles
Sobre os montes onde
Me curvo,
E morro todo dia.
Nos morros onde sou pó,
Deuses e heróis.
Eu, coveiro de mim mesmo
Me enterro,
Cavando, com as unhas, a terra.
E, por baixo da terra,
O fracasso;
Alimento para as árvores,
O medo;
Enxarcando-lhes as raízes.
'Elas zombam de mim.
Suas vozes
Sangram meus ouvidos
Espero que a surdez as cale.
Até lá, sufoco.

Nos vales onde
Caminho toda noite,
Sou só mais um moribundo.
Piso sobre as lápides
Mas nem os mortos
Se incomodam comigo.
Nesses vales
Todos são mais fortes que eu
Me enfrentam
Em batalhas imaginárias
E antes que
Empunhe as armas
Que sequer tenho
Já estou derrotado,
Pois assim nasci
E porque está
Tatuada em meu corpo
A fraqueza
De ser eu mesmo.

Quem me dera
Não sabe disso.

Vou acordar mais um dia
Contra todas
As expectativas
E vou chutar
As pedras que estiverem
No caminho,
Mas elas ainda
Estarão lá quando
For a hora de voltar.
E quando me deitar
Não vou dormir
Porque elas se deitarão
Comigo em minha cama.
E quando tentar sonhar
Com os olhos ardendo
Tamanho o cansaço
Por não pregar os olhos há dias,
Meu coração doerá
Porque elas jamais
Me abandonarão novamente.

E quanto mais..
Quanto mais eu tento
Me livrar de tudo isso
Quanto mais eu tento
Esquecer quem sou
Disfarçar a miséria
Enxergar alguma
Beleza na vida, sequer
Algo leve, que seja.
Mais percebo
Que
Talvez não
Pertença..
Ao mundo dos vivos..

Quem me dera..
Não saber disso..

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