terça-feira, 25 de março de 2014

Bruno, o Cadáver

Ninguém me viu chorar aquela noite,
Nem me trouxeram um copo d'água enquanto,
Em prantos, cuspia areia e folhas secas.
Fui sobrecarregado
Pelos fardos e pedras que a vida impunha
A neblina se tornou mais densa, meus olhos mais turvos,
O câncer, mais profundo e específico.
Me julgaram infiel, áspero. Apontaram os dedos
Os que não me viram chorar aquela noite.
Minhas mãos tremiam tanto que derrubei toda a comida,
E cinco dias fui cadáver até que alguém sentisse o cheiro.
O Diabo me fez uma visita, lembrava minha mãe - "Morto vazio não para em pé".
Vestiu uma alma triste com meus olhos e ossos,
E riu de mim por ser ridículo.
"Qual era mesmo a palavra que Deus usaria?" - Ele disse -
"Patético" - Respondi.
Gargalhou como nunca o tinha visto gargalhar.
O Diabo, ele mesmo, com todo seu calor humano, me pregou uma peça:
Corríamos de mãos dadas pelos campos de margaridas,
Quando, de repente, desapareceu.
Sozinho vi-as apodrecer sob meus pés
E o céu esvaziar-se sobre meu crânio.
Vi multidões como platéia de um teatro onde eu era escorraçado,
Enxotado pelas crianças, pisoteado por manadas de artistas e pessoas enormes.
Foram mais de vinte e um anos, cadáver humilhado,
Uma cena que se repetia à cada quando,
Em um exílio de cinzas de flores ao chão e de um céu repleto de ausência.
No fim destes tempos, o Diabo me apareceu pela terceira vez,
Eu, desesperado, corri ao seu encontro,
Esperava ter, de novo, alguma companhia, por pior que fosse.
Mas ele, agora, riu um riso triste.. Estava mudado.
"Vim apenas te buscar para que cesse,
Convenhamos, Bruno, cadáver bom é cadáver morto."

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